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Financial Times: com Trump e guerras, Lula enfrenta cenário global “mais complicado”

Tradicional jornal britânico alerta para o risco que a futura presidência de Donald Trump nos Estados Unidos possa representar para algumas das ambições mais caras da política externa do governo brasileiro

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Às vésperas de concluir seu segundo ano do terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta um cenário global delicado, com a volta ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos, guerras envolvendo Rússia e Ucrânia e a escalada cada vez maior no Oriente Médio, com os ataques de Israel ao Líbano e conflitos contra grupos como Hamas e Hezbollah. 

O diagnóstico do tamanho dos desafios da política externa do governo brasileiro foi feito pelo tradicional jornal britânico Financial Times, um dos mais influentes do mundo, em extensa reportagem publicada nesta quarta-feira (13). 

O periódico enumera uma série de obstáculos internacionais que o Brasil teve ou terá de enfrentar, ouve especialistas que atestam o conturbado panorama mundial e traça comparações entre os dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010) e a situação atual. 

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De acordo com o Financial Times, “os esforços do Brasil para tirar proveito do cenário geopolítico em mudança enfrentam desafios”. “A tentativa de Lula de agir como uma potência regional e mediar a crise política na Venezuela fracassou”, aponta a reportagem, citando a crise política venezuelana e o impasse em torno da eleição fraudada do ditador Nicolás Maduro, não reconhecida até hoje pelo governo brasileiro.  

“O Brasil, que se orgulha da sua própria transição da ditadura para a democracia, tem se sentido desconfortável com os esforços da Rússia e da China para tornar o grupo Brics mais abertamente antiocidental. E a eleição de Donald Trump nos EUA irá, provavelmente, complicar o plano de Lula de mostrar a sua diplomacia climática”, projeta o jornal. 

“O país, dizem os analistas, vê-se agora obrigado a navegar em um cenário internacional muito mais complicado, no qual a sua tradicional neutralidade pode estar sob pressão de todos os lados”, afirma o diário britânico. 

Rússia, Ucrânia e Israel

Desde o início de seu terceiro mandato, Lula deixou claro, em inúmeras oportunidades, que não se alinhava à posição majoritária entre as grandes potências europeias pela condenação enfática do líder russo, Vladimir Putin, na guerra contra a Ucrânia. 

“A postura do país causou por vezes inquietação em Washington e Bruxelas. O desejo de Lula de bancar o pacificador na guerra da Ucrânia irritou os apoiantes de Kiev, que o acusaram de favorecer a Rússia, especialmente quando deu as boas-vindas ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Putin, Sergei Lavrov, em Brasília, em abril de 2023”, recordou o Financial Times. 

“Mesmo antes da sua eleição, o presidente irritou os aliados europeus e americanos da Ucrânia ao sugerir que Kiev era também culpada pelo conflito, juntamente com Moscou”, prossegue o jornal. “Depois de Lula ter sugerido que Washington estava prolongando a guerra ao fornecer armas à Ucrânia, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA acusou Brasília de ‘papaguear a propaganda russa e chinesa’.”

Segundo o jornal britânico, “embora possa ser impopular em grande parte do Ocidente, a posição de Lula sobre a Ucrânia é amplamente partilhada por todo o mundo em desenvolvimento”. “Nações como a Índia, a China, o México e a África do Sul concordam com a sua opinião de que os EUA e a Europa deveriam procurar uma solução diplomática para o conflito, em vez de enviar armas cada vez mais poderosas para a Ucrânia e impor sanções econômicas draconianas a Moscou”, diz a reportagem. 

A posição de Lula contra a reação – que julgou “desproporcional” – de Israel aos ataques do Hamas também provocou apreensão e certa perplexidade entre os países da Europa e os EUA, observa o FT. 

“Na mesma linha, a comparação feita por Lula da acção militar de Israel em Gaza com o Holocausto pode ter sublinhado as diferenças com Washington e levado o governo israelense a declará-lo persona non grata. Mas está muito mais em sintonia com as posições de países em desenvolvimento do G20, como a Índia, a Turquia, a Arábia Saudita e a África do Sul, que apresentaram uma alegação de genocídio contra Israel no tribunal superior da ONU”, explica o jornal. 

Comparação com os governos anteriores

Na reportagem publicada nesta quarta-feira, o Financial Times relembra os dois primeiros mandatos de Lula, entre 2003 e 2010, nos quais teve a habilidade de “construir pontes” com líderes os mais díspares possíveis, como o então presidente dos EUA George W. Bush (do Partido Republicano, como Trump), e o ditador venezuelano Hugo Chávez (1954-2013), com quem estabeleceu uma relação de proximidade pessoal. 

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“Durante o seu primeiro período como presidente, Lula utilizou o pragmatismo aperfeiçoado como negociador sindical para construir pontes entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento. Cultivou boas relações de trabalho em todo o espectro político, desde o presidente dos EUA, George W. Bush, até o falecido líder socialista revolucionário venezuelano Hugo Chávez”, diz o texto.  “Em um mundo que enfrenta múltiplas guerras e uma crise climática, essas competências são ainda mais procuradas”, completa o FT. 

América Latina

De acordo com o jornal, “Lula também encontrou desafios diplomáticos consideráveis ​​em sua própria porta”. A ‘maré rosa’ de governos latino-americanos, principalmente de esquerda, na qual ele nadou em seus dois primeiros mandatos, foi substituída por um cenário regional mais antagônico”, constata a reportagem.

“Governos conservadores na vizinha Argentina e no Paraguai, além de Equador e El Salvador, entraram em choque com os presidentes de esquerda do Chile, Colômbia e México. Poucos estão dispostos a se submeter a Lula, o veterano porta-estandarte da esquerda latino-americana”, diz o jornal. 

“Depois que os pedidos brasileiros para que fossem exibidas evidências de sua vitória produziram meses de obstrução por Maduro, Lula se recusou a reconhecer o resultado da eleição [na Venezuela]. Dados os laços políticos de longa data entre o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula e o movimento socialista revolucionário PSUV de Maduro, este foi um resultado que poucos esperavam”, aponta a publicação, ainda sobre a crise política na Venezuela.

Mudanças climáticas e G20

Na reportagem, o Financial Times afirma que “há um amplo consenso de que a questão das mudanças climáticas é onde o Brasil tem mais potencial – e autoridade moral – para exercer liderança diplomática”. 

“O desmatamento da Amazônia caiu drasticamente sob Lula, e o país já gera a maior parte de sua eletricidade a partir de fontes renováveis ​​e é líder em biocombustíveis”, destaca o texto.

“No Rio, na próxima semana, o Brasil deve lançar formalmente uma aliança internacional contra a fome, um tema caro a Lula, dada sua experiência de infância com a pobreza”, prossegue a publicação, em referência ao encontro de cúpula do G20. 

“Outra proposta importante de sua presidência no G20 é um imposto global sobre os super-ricos. Embora os EUA tenham jogado água fria na ideia, o Brasil acredita que sua hora chegará.”

Por fim, o Financial Times alerta para o risco que a futura presidência de Trump na maior potência política e econômica do planeta possa representar para algumas das ambições mais caras da política externa do governo brasileiro. 

“O que deveria ser o momento de Lula brilhar agora corre o risco de ser ofuscado pela eleição de Trump como presidente dos EUA”, diz o FT. “O ceticismo do republicano sobre o aquecimento global e o desdém pelo multilateralismo ameaçam algumas das principais metas da política externa do Brasil, de acordo com analistas.”

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