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*Por Stephanie HurderEm meio às consequências da quebra da FTX, a proposta do CEO da Binance, Changpeng “CZ” Zhao, de criar um “ fundo de recuperação da indústria”, tem chamado atenção. A Iniciativa de Recuperação (ou IRI, na sigla em inglês), de US$ 2 bilhões, apoiará projetos que “sem culpa própria, estão enfrentando dificuldades financeiras significativas de curto prazo”, segundo o anúnco do projeto. Cerca de US$ 50 milhões foram comprometidos por empresas de capital de risco – a Binance fornecerá o restante, e fará a administração geral.Esse anúncio é a última tentativa da indústria cripto de estabelecer um mecanismo para resgatar empresas que enfrentam problemas de liquidez e evitar o risco sistêmico de seu colapso. O colunista da Bloomberg, Matt Levine, observou que criar o IRI solidificaria o papel da Binance como um banco central para o mercado cripto, estabelecendo-a como o credor de último recurso.Projetar um sistema para resgatar empresas em crises financeiras e mitigar o risco sistêmico não é um problema novo. Internamente nos Estados Unidos, uma combinação de organizações governamentais, como os bancos centrais e a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC, a agência que garante os depósitos das instituições financeiras), frequentemente desempenham esse papel para os sistemas bancários por meio de programas de empréstimo de emergência e seguro de depósito. A pesquisa vencedora do Prêmio Nobel deste ano detalhou como esses programas podem ajudar a evitar crises financeiras generalizadas.Mas o mercado cripto é muito mais parecido com a indústria de fundos de hedge do que com um sistema de bancos de varejo: os passivos e ativos denominados em tokens são voláteis. Como um backstop (apólice de seguro) pode ser projetado à luz dessa complexidade adicional?O Fundo Monetário Internacional (FMI) passou décadas emprestando em uma economia global onde os países devem lidar com uma ampla variedade de moedas e circunstâncias financeiras únicas. E embora a experiência dos países resgatados pelo FMI não seja exatamente boa, essa relação fornece um ponto de referência para a indústria de criptomoedas. Hoje, o setor está dando seus primeiros passos para estabelecer instituições para promover a estabilidade sistêmica.O que a indústria cripto pode aprender com o FMI?Primeiro, nenhuma entidade isolada deve fornecer ou controlar o uso de fundos no contexto de resgates. Isso deve ser um esforço de consórcio. O FMI é composto por 190 países, que contribuem com recursos e participam de diversas formas, como por meio de votações e participações em diversos subcomitês. No alto nível, a estrutura de governança do FMI é composta pelo Conselho de Governadores e pelo Conselho Executivo. Cada país tem um assento no Conselho de Governadores e um poder de voto específico com base em sua contribuição proporcional de fundos em um sistema de cotas.O poder de voto mais alto – os Estados Unidos – representa apenas 16% do poder de voto total. Além disso, a Diretoria Executiva é composto por 24 diretores executivos, com uma parcela de cargos rotativos e representando várias nações, enquanto sete países têm assentos permanentes. No geral, nenhum país controla qualquer um dos inúmeros veículos e instalações de apoio econômico do FMI.Posicionar uma única entidade – incluindo a Binance – como o credor de última instância da indústria cripto falha em reduzir o risco sistêmico e cria uma série de novos problemas. O recente colapso da FTX e seus impactos generalizados sobre outros players começaram a revelar toda a natureza das complexas interdependências que existiam entre a corretora e outras entidades do segmento.Leia também:Binance abre fundo de US$ 1 bilhão para resgate a projetos criptoSe uma entidade que funciona como credor de último recurso na indústria cripto fosse participante de uma rede interdependente tão complexa, como no caso da FTX, surgiria uma miríade de conflitos de interesse. Por exemplo, ela poderia utilizar fundos como armas anticompetitivas ou usar o acesso a informações proprietárias para benefício próprio. Um credor de último recurso não ocupa de fato esse papel quando sua própria solvência e confiança institucional são frágeis e altamente correlacionadas com os mesmos atores que deveria proteger.Assim como o FMI distribui poder e responsabilidade entre muitas entidades, o mercado de criptoativos deve buscar uma estrutura distribuída de forma semelhante.Em segundo lugar, as provisões de resgate devem depender do risco sistêmico, não da atribuição de culpa. O anúncio do IRI da Binance disse que o projeto apoiará projetos que “sem culpa própria, estão enfrentando dificuldades financeiras significativas de curto prazo”. Isso confunde a função primária e a lógica econômica que cria um escopo defensável para resgates.O objetivo de um resgate é tornar inteiros os credores e clientes da empresa e, na medida do possível, evitar que crises de liquidez generalizadas se espalhem e se transformem em crises financeiras mais amplas. Portanto, se um cenário financeiro de emergência surge, não importa se o responsável fez isso por maldade ou pura inocência; o importante é que seja tomada uma ação rápida para garantir a estabilidade do mercado.Por exemplo, após a crise financeira global de 2008, o FMI ajudou a resgatar a Grécia, embora o governo grego tenha causado parcialmente o cenário ao relatar incorretamente os níveis de dívida. No final das contas, o FMI deu fundos de socorro e até violou algumas de suas próprias regras internas em nome da prevenção de uma crise generalizada.No mercado cripto, uma dinâmica semelhante pode se desenvolver se um player estruturalmente significativo for hackeado ou comprometido. Claro, o protocolo deveria ter feito tudo o que podia para evitar o cenário em primeiro lugar, mas como o ataque pode afetar toda a indústria, a prioridade é garantir a estabilidade, e não tentar atribuir a responsabilidade final ou condicionar os fundos ao tribunal da opinião pública.Riscos moraisIsso traz um terceiro ponto – como evitar o risco moral? O problema óbvio com um fundo que resgata cada entidade com risco sistêmico suficiente é que é muito fácil para as empresas serem descuidadas com a gestão de risco e então recorrerem ao fundo para ter alívio. Embora os resgates não possam ser condicionados ao mau comportamento da administração, as punições após o caso e as restrições econômicas certamente podem.O FMI é conhecido por impor um serviço oneroso da dívida e outras condições estruturais aos beneficiários do resgate, mesmo quando essas restrições podem impedir que o país se recupere rapidamente. Na verdade, elas são tão desagradáveis que os países farão quase tudo para evitar o uso dos recursos do FMI. Normalmente, existem cerca de 20 condições estruturais impostas pelo órgão quando um país aceita um pacote de resgate, embora em 2012 a Grécia tivesse até 97 condições estruturais impostas. A mensagem é que, embora o credor de última instância não deixe um país entrar em colapso, não será fácil nem agradável para a nação nos anos seguintes.Isso nos leva ao cerne da questão: para que o mercado de Bitcoin (BTC) e altcoins tenha alguma esperança de resolver esse mesmo problema, o custo para as equipes de projeto individuais que precisam de resgates deve ser alto. É importante ressaltar que essas punições precisarão ser impostas por outros membros da indústria cripto.Esquemas para tais punições ainda não foram desenvolvidos, mas podem incluir um subconjunto dos membros do consórcio assumindo o controle imediato sobre o projeto ou assumindo assentos no conselho. Membros-chave da equipe de gerenciamento podem sofrer sanções, penalidades ou dificuldade em levantar fundos para projetos novos ou em andamento.No geral, a mensagem do(s) credor(es) de último recurso para o gerenciamento de empresas cripto falidas deve ser rápida e severa: algo como “vamos salvar você e garantiremos que você evite o colapso, mas você não vai aproveitar isso e sua reputação será severamente danificada.”À luz das consequências do colapso da FTX e das insolvências deste ano, resgates e fundos de recuperação tornaram-se um tema quente. Embora seja muito mais fácil falar do que fazer, uma organização independente no estilo do FMI é a melhor chance para a indústria cripto implementar um apoio financeiro para mitigar o risco sistêmico e proteger os consumidores. No entanto, permitir que uma única entidade assuma esse papel, especialmente um concorrente da indústria, acabará por aumentar o risco sistêmico e deixar todo o setor vulnerável a mais um colapso no estilo FTX.*Stephanie Hurder é economista, fundadora do Prysm Group e colaboradora acadêmica do Fórum Econômico Mundial.
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REFLEXÃO: Morgan Housel: Se preocupe somente quando você achar que tiver tudo resolvido.
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